*Cena escrita como exercício no TEAC de dramaturgia realizado no departamento de Artes Cênicas da UnB*
Uma sala de estar onde uma festa de aniversário já ocorreu. Há presentes, balões e um bolo já cortado com uma vela de 30 em cima dele. O ANIVERSARIANTE se aproxima da mesa e acende a vela.
ANIVERSARIANTE
Parabéns pra mim, nessa data querida. Muitas felicidades muitos anos de vida.
Ele come um pedaço de bolo.
ANIVERSARIANTE
Farinha e açúcar. Depois dos trinta isso é veneno. Seu metabolismo não aguenta mais essa merda. Mas quem liga pra isso? E daí se minha barriga tá aumentando e eu já quase não consigo ver meu pinto? E daí se as minhas entradas estão cada vez maiores e os fios brancos estão aparecendo? E daí que os melhores anos da minha aparência física já ficaram pra trás e eu nunca mais vou ser tão bonito quanto eu fui e eu nem se quer cheguei a ser bonito? Eu fiz trinta. Eu sou oficialmente um adulto. Esse é o preço.
Ele se empanturra de bolo. PAI entra.
PAI
Tem um pedaço pra mim?
ANIVERSARIANTE
A festa já acabou.
PAI
Eu perdi a hora.
ANIVERSARIANTE
Por vinte e três anos.
PAI
Acho que eu mereço isso. Feliz aniversário, filho.
O pai entrega um presente. Aniversariante o abre sem empolgação. É um retrato.
PAI
Você fez a idade que eu tinha quando você nasceu.
ANIVERSARIANTE
Por isso você está aqui? É algum tipo de crise de idade?
PAI
Queria ver meu garoto.
ANIVERSARIANTE
Quando foi que eu me tornei seu garoto? Foi quando eu deixei de ser um garoto? Engraçado, né? O medo de ser pai some com a possibilidade narcisista do filho vir a se parecer com você.
PAI
Achei que você já teria passado da revolta de adolescente.
ANIVERSARIANTE
E privá-lo dessa experiência? Da oportunidade de inventar uma desculpa mais ou menos? Além do que, eu sou seu garoto, né?
O pai encara o retrato que deu ao aniversariante.
PAI
Sua mãe não queria que eu te segurasse. Tinha medo que eu te deixasse cair. Acho que ela já sabia o que ia acontecer, não é?
ANIVERSARIANTE
Mãe sempre sabem. Não que isso fosse realmente uma surpresa.
PAI
Trinta anos. Como você se sente?
ANIVERSARIANTE
Que não tenho um filho que vou abandonar.
PAI
Chega de indireta. Fala tudo que você quer me falar. Que esse seja seu presente de aniversário.
ANIVERSARIANTE
Pra que você saia daqui sentindo como se tivesse compensado esse tempo todo? Eu tô de boa. Não vou te dar esse alívio. Prefiro te odiar a conta-gotas.
PAI
Eu não vim pra estragar seu aniversário.
ANIVERSARIANTE
Tem certeza? Você sempre foi tão bom nisso. Todas as tardes esperando, correndo pra janela toda vez que um carro se aproximava. A cada ano, menos amiguinhos iam pra minha festa. Não era tão divertido me ver chorando, esperneando e indo pro quarto com raiva. Nem o maior pedaço de bolo e todo o brigadeiro da festa compensavam a cena. Era vergonhoso demais até pras crianças me ver daquele jeito. E sabe o que é pior? O problema todo é que você me prometia e eu acreditava. Seria tão melhor só dizer que não viria, que não queria vir. Mas você prometia que naquele ano ia ser diferente e você ia estar lá. E quando de novo você não cumpria a sua maldita promessa, todas as pessoas que estavam lá por mim, todo o trabalho da minha mãe pra me fazer sentir especial e o amor que ela colocava em cada detalhe não importavam mais. Porque, de novo, eu não era o suficiente pra fazer você vir à minha festa.
PAI
Eu achava que dizer “não vou” seria mais difícil de ouvir.
ANIVERSARIANTE
Não. Só era mais difícil de falar. Você não estava preocupado no que seria pior pra mim, mas sim no que era mais fácil pra você. E foda-se. Eu já disse, não tô a fim de escutar nenhuma desculpa meia boca que você tiver inventado pra compensar esses anos. Eu fiz trinta. Já não preciso mais de um pai. Se algum dia eu precisei. Você é só mais um entre os bilhões de pessoas com quem eu divido o mundo.
PAI
Você?
ANIVERSARIANTE
Você. É preciso um pouco mais de esforço pra merecer ser chamado de senhor.
PAI
Filho, os pais erram também. Sei que é tarde pra pedir mais uma chance...
ANIVERSARIANTE
Quantas vezes você realmente me chamou assim? É tarde pra qualquer coisa.
PAI
Eu poderia me jogar dessa sacada que não faria diferença, né?
ANIVERSARIANTE
Quanto drama. Mas sim.
O pai se joga. O aniversariante não se altera. Ele volta a comer do bolo. Fica em silêncio por um bom tempo comendo. Depois de bastante tempo em silêncio, o telefone toca. Secretária eletrônica atende.
PAI (o.s.)
Oi. Desculpa não conseguir ir, meu garoto. Mas, feliz aniversário. Você vai ver que trinta é uma idade ótima. Eu vou estar pela cidade semana que vem, se a gente puder se ver, eu vou gostar mu...
Aniversariante tira o telefone do gancho, interrompendo o pai. Ele termina de comer o bolo.
ANIVERSARIANTE
É impressionante a culpa que aniversários causam nas pessoas. “Parabéns pessoa que eu nunca vejo nem falo.” Meu garoto... ai ai.
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