domingo, 8 de março de 2020

Cabelo

Eu tenho uma relação muito delicada com meu cabelo.
Quando eu era pequeno, a minha herança indígena era bem presente nele, mas aos poucos foi se perdendo com o passar dos anos.
Com sete anos tive o cabelo comprido, batendo nos ombros. Um sonho para qualquer garotinho afeminado. Lembro de gostar de correr nessa época para poder sentir o cabelo balançando com o vento. E secretamente achava o máximo ser confundido com uma garota. Não por querer ser uma, mas por poder expressar minha feminilidade de uma forma a ficar tão andrógeno.
Essa fase não durou muito e logo meu cabelo foi cortado. Bem curto. Hoje eu percebo que parte de mim morreu naquele dia, porque desde então, quando eu era levado ao cabeleireiro, eu não fazia questão de como seria o corte, de como meu cabelo ficaria. Eu queria ele grande e não o tinha mais.
Nunca mais tive o cabelo assim.
Eu cresci, fui para o "ginásio" como ainda era chamado na minha época e meu corpo começou a mudar. Inclusive meu cabelo. E dentre todas as coisas que era consideradas erradas em mim, meu cabelo se tornou uma delas. Quando ele crescia um pouco, era apelidado de capacete.
Assim, eu comecei a inventar a desculpa de que eu precisava do meu cabelo raspado porque senão eu tinha que molhar ele de manhã para pentear e isso me fazia adoecer. O que não era uma mentira, mas o motivo real era o meu medo de ver meu cabelo crescer e não conseguir arrumá-lo de uma forma a não ficar como um capacete. Era um desespero quando eu demorava muito para cortá-lo.
Carreguei isso até meus dezoito anos, quando eu finalmente parei de raspar meu cabelo mensalmente e permiti que ele crescesse.
Depois disso, 2014, eu só voltei a raspá-lo em 2016 e desde então nunca mais. Sempre me prometendo deixar o cabelo crescer, voltar a ter madeixas cobrindo os ombros. Uma promessa que até hoje não cumpri.
E escrevo esse relato depois de ter acabado de cortar o cabelo novamente. Cabelo este que vinha cultivado há mais de seis meses. Mas que por desvios de percurso já não era mais viável continuar no tamanho que estava, do jeito que estava.
Talvez eu me arrependa amanhã. Talvez, daqui a alguns dias ou meses eu olhe para alguma foto dessa época com saudade, imaginando como ele estaria se eu não o tivesse cortado. Talvez.
Mas hoje, agora, eu precisava fazer isso. Precisava fazer um ato brutal e impulsivo e romper este apego. Já não me satisfazia ver meu cabelo do jeito que estava.
Isso tudo é uma grande metáfora para meu estado emocional, para mim. Meu cabelo sempre indica como eu estou me sentindo e diz muito sobre minha autoestima do momento. Mexer com ele é uma forma de me despedir do meu eu que já não me serve e me despir dele, como uma pele ou um exoesqueleto no qual não caibo mais e preciso sair para crescer. O Igor de ontem é um Igor que já não é o mesmo Igor que está aqui escrevendo, nem pretende ser.
Evitei fazer esse ato por seu caráter definitivo, por medo das consequências. Mas é só cabelo. Cresce de novo. E mesmo se não crescesse. É só cabelo.
Já estava morto, sem movimento, me deixando insatisfeito.
Com cada fio cortado, uma parte dos aborrecimentos vai junto. Me ajuda a entender o tamanho das coisas e o impacto delas uma vez ido embora.
É leve e está tudo bem.

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