terça-feira, 31 de agosto de 2021

Regurgitando nós sensíveis

Nó no estômago. 
Já sentiu?
Daqueles que te dão vontade
De enfiar a mão na goela pra desfazer.
 
Mas geralmente é um nó cego
Porque a gente não vê, só sente.
 
Um movimento involuntário
Que faz um giro estancado
Nas nossas entranhas
Como um bailarino que torce o pé
No meio da pirueta e cai.
 
Você sente o aperto em cada célula
Até ser capaz de regurgitar.
 
Só que, antes de sair
Eu crio outro nó na língua
E engulo tudo de novo
Pra não ter que assumir.
 
Uma coleção de nós aprisionados
Que uma hora não aguentam
E escapam sem a minha permissão.
 
Eles saem nas lágrimas, no suor
Se embolam nos meus cabelos,
Nos meus pelos
Nas unhas que eu tenho preguiça de cortar.
 
E viram raízes
Nas quais eu me emaranho
Como forma de reviver o sentimento
Intacto, puro e meu.
Só meu.

Fumaça como companhia

Jantar à luz de velas nunca teve graça pra mim. Nunca entendi a comoção. É pouca luz, a gente mal se enxerga e ainda fica a cera pingando na mesa, sujando tudo. Você insistia e eu aceitava só por você mesmo. Não gosto de comer no escuro, e se um bicho cair na minha comida? Mas eu aprendi a gostar da luz de velas. Nela, as sombras se projetam com mais intensidade, se aproximam e fazem companhia.

A luz da cozinha é aquela branca, forte. Parece de hospital. Ilumina até debaixo do armário e eu vejo que não tem ninguém aqui além de mim. Tô cansado da minha companhia. Não me entendam mal, eu não tenho problema nenhum em ficar só. Eu gosto. Gosto de mim, de ter um tempo só pra mim. Mas uma hora cansa, né?

Tô cansado da minha companhia. Já tô de saco cheio de ouvir minha voz, de identificar todas as minhas manias e prever as respostas de cada conversa comigo mesmo. A rotina é o túmulo do amor e eu tô a algumas poucas pás de enterrar esse amor próprio ainda em construção.

É quente. A luz. É claro que é. Mas eu nunca tinha parado pra pensar nisso. Seu calor me embala. Mas meu momento preferido é apagá-la. A fumaça que resta rodopia como você fazia e eu gostava. Começo a te ver ali, no topo da vela, dançando tão bonito, com aquele corpo esculpido e olhos de farol, só pra mim. Uma vez mais.

Será que eu estou enlouquecendo?

Os mesmos dias

E nas horas que o céu escurece   A noite embala meu pesar Mesmo estando ao meu lado parece Que aqui você já não está E como um rouxinol Meu ...