segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Argentina, 2004

Você saiu e eu fiquei aqui. É a primeira vez? Não sei. Mas é assustador, como se fosse. Como se você não fosse voltar. Eu sei que vai e não é culpa sua. Mas até você voltar o que eu faço? Tudo me dá pânico. Não quero sair do quarto, mas não posso e mesmo se pudesse há outro alguém aqui consumindo todo o ar, me fazendo um estranho em minha própria cama. E assim que abro a porta, encaro o corredor e vejo a porta de seu quarto, trancado. Sei que se eu bater e te chamar não terei resposta. Seu toque, seu sorriso, sua voz. Nada. Me refugio no mato, rolando na grama, brincando sozinho em paz, um momento em que não há olhos sedentos a procura de uma escorregada minha para poder me ver castigado. Eis que eles surgem e arrancam de mim minha paz. O que eu fiz? Não importa, me levam embora, como um criminoso cuja acusação nem lhe foi divulgada. Um pouco de compreensão seria bem-vinda à criança cuja mãe se encontra em outro país. Cujo único contato que teve com ela desde sua partida, foi um cartão-postal, lindo e carinhoso - sua letra ali tão bem desenhada - amassado, com um atraso de semanas. “Esqueceram” de me entregar. Sonhei com você, fiz um desenho. Eu fugia, de patinete atravessa a porteira e você me encontrava no caminho. Vinha voando com asas lindas e enormes. Acordei na dúvida se era um sonho bom ou ruim. Guardo o cartão-postal como o tesouro que ele é e o leio todos os dias, contando quantos faltam para te rever. Quem mexeu nas minhas coisas? Onde está meu cartão? Mãe?! Onde está? Quem pegou? Me devolve, por favor. É tudo que eu tenho pra sorrir no momento. Não me arrependo. Se podem rir de mim chorando, eu posso rir deles sangrando. Posso recuperar o que é meu à força.

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