... E no fim eu só cheguei a conclusão de que eu me amo mas é muito difícil me amar.
E eu queria que fosse mais fácil.
Eu não fumava. Comecei a fumar na quarentena. Aí fico na janela olhando as outras janelas e fingindo que tô num filme do Godard, tudo em preto e branco. Até a pressão baixar. Deito no chão, as costas geladas e minha gata vem sentir o cheiro estranho na minha cara.
Acho que te amo. Digo "acho" só por medo da responsabilidade de assumir que já te amo. Mas amor é um nome bonito para o que venho sentindo por você.
Não somos estranhos, mas também não diria que nos conhecemos. Pelo menos não até agora. Desses seis anos desde o nosso primeiro beijo, só agora sinto que nos conhecemos ou que estamos a nos conhecer.
Uma história escrita lentamente entre encontros e partidas. Pausas e retomadas. Como uma promessa escrita num bilhete esquecido no fundo da gaveta que um dia ressurge e volta a fazer sentido.
E como faz sentido.
Você surge sem expectativas nem alardes. Um rosto que há tempos não vejo mas que é bem-vindo. Que tem uma naturalidade em me desarmar e me encantar sem malícia nem promessas. Só um carinho puro e inocente de quem nem se dá conta do impacto que causa e, assim, age de forma completamente natural.
E aos poucos me vejo seguro e amparado. Seja pela sua voz suave que canta tão sem esforço parecendo também cantar enquanto fala. Seja na doçura e calor das suas palavras contrastando com essa postura correta e cordial. Seja no seu olhar que ao mesmo tempo que esconde parece revelar tanta coisa e me pedir pra mergulhar no seu mundo que já me invade o pensar.
Não tinha o intuito de te deixar chegar tão perto. E, talvez, a despretensão tenha colaborado para que esse fosse o rumo das coisas. Porque é lindo observar o espaço que você ocupou e o sentimento que nutri por você de forma natural, sem que inventássemos narrativas em prol desse objetivo.
A música de Orfeu era capaz de fazer as pedras se emocionarem, os rios dançarem, as árvores se curvarem. Capaz até de esmorecer o próprio senhor do submundo Hades. E você, meu Orfeu ardiloso, usando desse truque comigo, na primeira nota já havia me cativado. Eu, sem alternativas, me vi resgatado como Eurídice pela sua voz. Sem chances de olhar pra trás. Ainda bem.
Contaminado de borboletas eu continuo esse texto, que havia começado há quase um mês, por já não ter mais dúvidas. Por sentir e me deixar sentir isso que me faz bem, é leve e bonito. Assim como você.
Vou parar de falar. Algumas coisas são melhores ditas sem palavras. Deixarei o silêncio se transformar em canção. Quem sabe assim você dance para mim novamente.
E nas horas que o céu escurece A noite embala meu pesar Mesmo estando ao meu lado parece Que aqui você já não está E como um rouxinol Meu ...